A praia era lindíssima. Uma ampla faixa de areia fina de cor clara, quase uma duna de deserto, se estendia até perder de vista em direção ao horizonte. De um lado, árvores tropicais faziam sombras balançantes ao vento, no formato da copas das palmeiras. Do outro lado, uma água salgada límpida, transparente, onde se podia ver os pés mesmo que o nível estivesse à cintura, os pequenos peixes nadando em cardumes e o horizonte de azul envolvente em tons mais escuros. Alguns banhistas brincavam com a água insípida, fazendo guerra molhada contra uns ao outros. Outros relaxavam em cima das cangas, de costas pra cima, aproveitando para dourar a pele. Crianças com seus baldes plásticos brincavam de catar conchas e tentar capturar peixes, se divertindo com os tombos em areia fofa. Ainda assim, não havia muita gente naquela praia. Não era uma região de muito fácil acesso, realmente, mas quem sabia o caminho encontraria um lugar próximo do paraíso. O céu estava sem nenhuma nuvem, e podia-se ver metade de uma lua branca cuja superfície se fundia contra os tons celestes. E lá longe, seguindo a larga faixa de areia, além da paisagem, estava uma pequena silhueta distante mas bem reconhecível. O foguete Hercules, vertical em sua base, estava em contagem regressiva para mais uma leva de colonizadores para Marte. O metal reluzente como um espelho refletia o sol em diversas direções, chamando a atenção de quem estivesse ao redor. Da praia, alguns banhistas admiravam o equipamente enquanto olhavam para seus relógios, contando os segundos para a ignição.

Harmonia estava encantada com o reluzente foguete, olhando em seu relógio e contando os segundos. 60 segundos. O vento soprava os fios de cabelos, tramados em uma trança que se estendia até a cintura. Um chapéu branco de abas largas protegia sua face do sol, que embora não estivesse a pino era suficiente para deixar a pele vermelha. Sua mão empurrava o joystick da cadeira de rodas que se movia mais lentamente sobre a superfície fofa da área, mas nada que o sistema de controle de tração não pudesse vencer. Vestia um vestido longo de cor creme bem leve semitransparente, revelando sutilmente o bíquini de cor preta embaixo. Seus olhos alternavam entre o relógio de pulso e o foguete, ansiosa. Não era a primeira vez que via uma partida de foguete, mas toda vez que assistia este tipo de lançamento seu coração disparava, e não era de temor ou trauma. Era de um certo orgulho. Em saber que havia muitas e muitas pessoas que gostariam de visitar sua antiga casa, de explorar aquele terreno hostil e desolado, mas que ao mesmo tempo era receptivo e peculiar. Marte era sua casa, apenas isso. A maior parte de sua vida tinha sido lá, e nada e ninguém seria capaz de sobreescrever essas memórias. Que eles sejam bem-vindos, ela desejou fortemente. O lugar que sabia que jamais seria capaz de retornar. A benção de ter nascida em Marte. A maldição de ter nascida em Marte.

30 segundos. Um homem surgiu com uma cadeira de praia nas mãos, assentou o objeto na areia logo ao lado de Harmonia e silenciosamente pegou em sua mão. A mulher girou o olhar e sorriu, no qual foi correspondida. Ela estava feliz, finalmente estava feliz. Sentia saudade da paisagem avermelhada marciana que guardava bem próximo do peito. Sabia que nunca voltaria vê-la. Estava bem, muito bem, no planeta azul, mesmo que estivesse permanente presa a uma cadeira de rodas ou a um exoesqueleto. Se sentia muito mais livre, sem dúvida.

10 segundos. Os banhistas deitados na canga viraram para o lado na direção do foguete esperando o lançamento. As crianças, percebendo a movimentação dos adultos, também apontavam com os pequenos dedos aquele objeto misterioso ao fundo do horizonte. O punhado de gente que estava naquela praia quase deserta estava concentrado para a grande partida, o início da jornada de dezenas de terráqueos que terão o privilégio, com todos os encantos e desencantos, de fazerem parte do projeto de colonização humana do sistema solar. Os melhores do melhores, presos em seus assentos, o sangue correndo veloz pelas sua veias, esperando se afundaram nos mesmos assentos assim que os motores ligarem.

3. 2. 1. Silenciosamente, o foguete começou a se tremer e se mover, uma fumaça esbranquiçada como nuvens se levantou por todo lado, e aos poucos o grande equipamento se punha no ar subindo cada vez mais rápido, deixando um rastro denso de pluma branca no horizonte. Os olhos de Harmonia seguiam o ponto brlhante em sua subida, enquanto isso os banhistas gritavam comemorando o lançamento, mais um de entre tantos, mais ainda assim especial de seu próprio modo. Segundo depois, o estrondo dos motores finalmente chegava a praia, como se fosse um eco de uma bomba distante. As crianças se divertiam pulando na água ao ver o misterioso objeto subir em direção a céu, emitindo aquele ruído empolgante, ficando cada vez menos nítido diante do fundo azulado. Uma das crianças pegou um dos baldes que continha diversas pequenas conchas que ela havia capturado e correu em direção a Harmonia. A criança chegou na frente da mulher, pegou uma das conchas do balde e então disse:

— Toma — estendeu a mão contendo a concha. — Trouxe essa concha de Marte.

— Ahh, obrigado, então você foi até Marte buscar pra mim? — Harmonia sorriu ao receber o objeto.

— Ainda não fui, mas você veio de lá, não é, mamãe?

Abandonar Marte tinha sido a melhor decisão de sua vida.





// GAROTA DE MARTE: FIM. //





Parte 3