Havia chegado o final do ano. Fiquei naquela cidade para as provas finais, para aqueles que não tinham atingindo a média mínima. A universidade estava calma, um número muito reduzido de pessoas, poucos carros passando. Minha intenção era ficar somente alguma semana a mais para estudar e quitar as provas, mas por algum motivo acabei ficando um pouco mais. Talvez quisesse um local calmo e agradável onde pudesse assistir o fim.
O bairro universitário estava vazio. Não era mais aquele bairro cheio de energia dos jovens estudantes, se divertindo com as festas, dando um passeio aleatório pelas ruas arborizadas. O final do ano chegara, e todos tinham ido viajar para reencontrar seus familiares, velhos amigos, em suas cidades natais antes de hoje. Sobraram apenas aqueles que tinham dívidas acadêmicas a pagar, e mesmo eles se retiravam com suas malas indo apressados para um ponto de ônibus partir — como se isso adiantasse.
Era um dia de dezembro agradável. O tempo nublado encobrira o sol e fizera uma temperatura amena, diferente de um dia normal da cidade — que é conhecida por ter um clima quente. Talvez fosse apenas aqueles dias que as nuvens aparecem, provavelmente anunciando uma pancada de chuva. Mas era um dia diferente. Era calmo, relaxante, mas ao mesmo tempo dava um nó na garganta. Sentia o vento trespassar ao redor de meu corpo enquanto olhava as árvores balançarem fazendo um barulho de folhas secas. Estava ali, sentado numa baixa mureta no prédio de meu curso, ao lado da verde grama, apenas esperando o tempo passar…
— Tempo estranho hoje né? Justo hoje…
— É, faz sentido estar assim então…
— E está muito relaxante também… Que irônico…
— Sim, e no fim estamos aqui juntos. Que pena que os demais não estão aqui.
Concordei tristemente com a afirmação mas sorri. Parecia estar sorrindo também. Tínhamos combinado de dar um passeio pela universidade, a fim de relembrarmos alguns bons momentos que passamos naquele local. Foi um ano muito bom, eu considerava um dos melhores da minha vida. Vivi momentos inesquecíveis naquela época, e apesar de eu ser meio introvertido e tímido, consegui fazer muitas coisas que provavelmente não faria em outra época.
— Você se lembra da primeira vez que nos conhecemos? — perguntei.
— Acho que sim, foi daquela engraçada confusão numa aula de Circuitos?
— Suponho que sim — respondi, feliz por ter lembrado.
Ficamos ali conversando, ao som do vento. Como não poderíamos esquecer das noites em que saímos para o bar, comemorar alguns aniversários, e voltar à noite por ruas escuras. Das vezes em que conseguimos reunir praticamente todo mundo para alguma coisa descontraída. Da imaginação fértil e piadas infames de algumas pessoas. Dos olhares apaixonados de outras. Da vagabundagem de alguns e do pequeno tamanho de outras. O sorriso brilhante de certas pessoas, e a hiperatividade que animava os dias. As habilidades musicais de algumas, as pessoas que negavam sua origem e aqueles que estavam muito distante de suas origens. E claro, dos que tinham um cérebro grande para resolver qualquer conta. E no final, todos zoam e são zuados; riem dos outros e os demais riem deles; ficam com marca de sol na pele e se reúnem para virar a noite jogando algum jogo de computador. Foram bons tempos de minha vida, bons tempos de nossas vidas.
Era o início do fim de tarde. Hora mais relaxante do dia não há. Estávamos nós dois, ali, olhando um para o outro, como se pudéssemos passar todos nossos pensamentos por telepatia. Acho que nós sabíamos o que cada um queria dizer, os olhares brilhantes refletiam a luz do dia.
— Vamos então? — aticei, para a gente começar a andar.
Logo começamos a caminhar. Enquanto andávamos, olhávamos para trás, um pouco nostálgicos, aquelas construções, aquelas ruas. A caminhada não era longa, tampouco curta, mas havia uma subida íngreme que exigia muito de nossos músculos. O tempo parecia ter se fechado um pouco mais, mas mesmo assim, pudemos ver os raios de sol fazerem belos feixes levemente dourados no céu. Aos poucos, conforme subíamos o morro, o céu se tornava levemente mais avermelhado com o entardecer e com o fim. Chegamos finalmente no topo. O vento se tornara um pouco mais forte, e o céu, um pouco mais fechado e avermelhado.
Cheguei mais perto da outra pessoa. Meu coração acelerou um pouco. Fechamos os olhos…
Sentimos o chão começar a tremer. Nós ainda estávamos juntos, quando eu disse:
— Se prepare… Muito obrigado por fazer parte da minha vida…
— O mesmo eu digo — falava com um pouco de lágrimas nos olhos —. Agradeço a você por tudo neste ano. Queria poder ter te conhecido antes.
— Eu também.
Foi quando, ainda próximos um do outro, embaixo de uma árvore, um forte clarão encobriu toda a paisagem que víamos logo a frente. Logo, podíamos ver uma onda de choque vindo ao fundo, arrasando tudo que existisse pelo caminho. Era realmente o fim, o fim de uma era, de uma fase do universo. No meio desse turbilhão e antes que a onda de choque e a luz nos encobrissem, disse:
— Meu mundo termina com você.
Foram minhas últimas palavras.
dezembro de 2012