A garota carregava um caixa de cor marrom dentro de sua mochila, jogada em cima do banco vazio do passageiro. Ela dirigia um Range Rover Evoque branco (queria ter escolhido um vermelho, mas seu trabalho exigia discrição acima de tudo) por uma rodovia movimentada. Estava agasalhada com uma blusa rosa, vestindo o capuz como se dentro do carro estivesse tão frio quanto do lado de fora. O som do veículo tocava alguma música em língua estrangeira, música que ela conhecia o ritmo mas desconhecia a letra. Seguindo o GPS do carro, especialmente modificado de tal forma que ele nunca se conectava com a internet, entrou em um acesso discreto sem placa alguma à direita, acesso que praticamente ninguém prestaria atenção. Uma estrada de terra esburacada chacoalhava o carro, seguindo assim pelos próximo 37 minutos.

Como se tivesse camuflado entre as árvores, um paredão coberto de trepadeiras, protegido por arame farpado eletrificado e diversas câmeras de vigilância, e num canto um portão metálico fechado cinza escuro. Parou o carro paralelo ao portão, e deu três, quatro e dois toques na buzina, com um intervalo de três segundos em cada sequência. Um código combinado previamente para motivos de identificação. Enquanto isso, sacou de sua mochila uma gorro preto com a área dos olhos recortada e protuberância acima em formato de orelhas de gato. Era purrfeito para um dia frio de junho como aquele. E claro, ela não podia esquecer uma semiautomática M9, que escondeu dentro de um bolso interno de sua blusa na região da barriga.

Saiu do veículo e se identificou no interfone:

— RT46.

— Mostre — uma voz respondeu do outro lado.

Ela tirou a caixa da mochila, que em cima estava escrito RT46 e mostrou para uma câmera ao lado do portão. Guardou o pacote de volta na mochila e após algum tempo de demora o portão começou a abrir lateralmente, parando logo após, deixando uma pequena passagem. Não era a primeira entrega dela, já tinha feito outras em diversas situações, mas ficou muito apreensiva ao ver dois homens carregando fuzis M16, uma arma de uso militar, se aproximando dela. Embora eles estivessem com mais curiosidade do que precaução ao verem a baixa estatura da moça. Um deles, com o detector de metal, se aproximou da garota. O outro, ainda confuso ao ver aquela menina, pressentiu que não havia perigo nenhum e ordenou que o com o detector de metal cessasse a revista. Ela sentiu alívio.

— Suba as escadas. Ele te espera lá em cima — um deles disse.

Aquilo era uma mansão. A casa com linhas arquitetônicas modernas destoava do ambiente ao redor que tinha ares de montanha. Vidros, muitos vidros por todos os lados, ao menos aquela casa era bem iluminada. Partindo da sala, uma longa escadaria a levava para o andar superior. Na saída da escada, um vidro enorme translúcido dava iluminação esbranquiçada ao ambiente. Virou à direita no corredor, diversas portas fechadas de ambos os lados. No fundo, uma luz saindo de uma porta aberta: aquela era a sala que deveria ir. Dois outros homens a escoltaram até a sala, na qual havia três pessoas: dois homens e uma mulher, sentados em um sofá ao redor de uma mesa de centro de vidro, onde estava um notebook. Um dos homens vestia terno cinza e o outro preto, e a mulher um vestido vermelho escuro.

— Entre, por favor — o homem de terno cinza levantou para cumprimentá-la. — Posso dizer que você tem um disfarce… incomum.

Os outros dois deram uma risada contida.

A garota avançou sala adentro. As portas atrás se fecharam.

— Sou a entregadora. Vou confirmar o protocolo da entrega — ela disse, friamente.

— Pois não.

— Entrega RT46, previsto para dia 18 de junho, pagamento com 25 mil em dinheiro adiantado e 25 mil em bitcoin na entrega, treinamento não incluso.

— Exato.

Ela tirou da mochila a caixa de papelão. A caixa pesava alguns quilos, colocou o objeto em cima da mesa de vidro e abriu. Surgiu então um cilindro preto plástico com uma base retangular, com alguns botões e leds. Colocou o equipamento em cima da mesa e leu em voz alta um pedaço de papel que veio junto.

— Emissor de pulso eletromagnético altamente direcional com varredura de alvos programável por celular ou computador — se virou para os três. — O produto está entregue. Transfira o restante do pagamento imediatamente.

— Ah, mas antes, me ensine a usá-lo — o homem do terno cinza disse.

— As instruções estão aqui — ela retirou um impresso de sua mochila. — Tudo que precisa saber, modo de operação, programação, perigos para a saúde, selo da Anatel.

Ela tinha conseguido arrancar um riso bufado dos presentes.

— Até que você tem bom humor — a mulher falou.

— Verdade — o homem do terno cinza concordou. — Mas me ensine a usá-lo.

— O treinamento não está incluso. O manual contém as instruções que precisa. Repasse os 20 mil agora.

— Mas eu pensei que havia ao menos uma explicaçãozinha — disse com um pouco de sarcasmo.

— Não há explicação. Você comprou o equipamento, não o treinamento. Transfira os bitcoins agora. De acordo com a cotação de hoje, são 14,2895746 bitcoins. O produto já foi entregue, não tem direito a reclamação nem devolução, o pagamento deve ser feito — ela estava impaciente com a falta de consideração de seu cliente. Era um tanto incomum encontrar cliente reclamão assim, pois sabiam que o produto que ela entregava não tinha igual na concorrência.

— Ok, então. Vou transferir — o homem do terno cinza se levantou e virou o computador para ela. A garota pegou seu celular e escolheu uma das carteiras virtuais para a transferência do dinheiro. Ele escaneou o código QR da carteira com a câmera do notebook e digitou o valor a ser transferido.

— Está certo? — ele perguntou.

Ela conferiu o preço e a carteira.

— Sim — o homem apertou enter. — Bom fazer negócios com vocês.

A entregadora se virou em direção à porta e andou em direção à saída. Virou a maçaneta. A porta não abriu. Um calafrio percorreu sua espinha, mas tentou manter a calma. Se virou e pediu educadamente:

— Podem abrir a porta?

Não houve resposta. Os três mantinham o olhar em fixo em sua direção. A garota então sentiu a arma em sua barriga, mas fazer algum movimento brusco naquele momento era arriscado. O homem de terno preto, alguns segundos depois, disse:

— Fique um pouco mais aqui. Para nos ensinar como operar este equipamento.

— O manual explica. Ele conhece muito mais do que eu.

— Eu aprendo muito melhor com alguém me explicando.

— Por favor, abra a porta — ela tentava se concentrar. O celular no seu bolso estava programado para que caso a sequência de botões de desligar, volume para cima e volume para baixo fosse apertada um aviso de emergência junto com imagens ao vivo da câmera e áudio do microfone eram enviados através de um túnel criptografado para a base.

— Eu recomendo muito você ficar. Sabe, é um ótimo conselho de seu cliente.

Ela então se virou para a porta de novo. Pensou no que fazia. Se aceitava voltar para os três, sem saber o que eles realmente queriam, ou se pegava sua arma e tentava enfrentá-los. Eram três contra ela sozinha, embora não soubesse se agora os seus inimigos estavam armados. Talvez sim, talvez não. Mas se eles a torturassem para revelar coisas sobre quem constrói os dispositivos? E se a forçassem a revelar informações de outros clientes? Se eles detivessem uma lista de clientes que ela já havia entrado em contato seria um desastre total, pois a vida dela e daqueles que estavam na base estariam em risco e o negócio iria falir.

Foi então que ela concluiu o que fazer e a plenos pulmões gritou:

— Abra a maldita porta!

— Você não vai sair daqui! — sem saber quem tinha dito isso a ela, a garota resolveu arriscar. Pegou a pistola que estava debaixo de sua blusa, destravando o pino de segurança enquanto ela ainda a puxava da blusa, girou o corpo e apontou para o homem de terno cinza. Os três, assustados, levantaram as mãos como se rendessem.

— Eu vou sair daqui! Abram a porta!

— Ok — o homem disse —, vou pedir para abrirem. — Então, gritou: — Maicon, abra a porta!

A garota então ouviu dois barulhos: o primeiro, de uma arma sendo preparada e destravada, e o segundo, da porta sendo destrancada. Quando percebeu o que se passava, logo que uma fresta havia se aberto, ela girou o corpo meia volta, encarou a porta se abrindo e atirou duas vezes através da madeira. O homem que tinha aberto a porta e que estava com o fuzil carregado e destravado caiu no chão. Ela saiu em disparada pelo corredor enquanto os três iam atrás dela. Pelas suas contas, ela tinha visto quatro guardas armados na casa. Um estava no chão, então tinha pelo menos três que iriam caçá-la, mais os três de dentro da sala. Ao menos seis inimigos para enfrentar, na melhor das hipóteses.

Ouviu alguns palavrões saindo da sala enquanto corria pelo corredor em direção à escada. Do outro lado da escada, continuando o corredor, havia outros cômodos com diversas portas e no fim uma grande parede de vidro translúcido que dava para o exterior da casa. Quando virou para começar a descer, viu dois homens armados subindo correndo. Sem saber por onde fugir, continuou correndo pelo corredor.

— Vem cá sua idiota! — o homem de terno preto efetuou dois disparos, ambos errados.

— Vocês dois — o homem de terno cinza falou para os caras armados, — atire nas pernas!

Ambos estavam se aproximando do fim da escada e a entregadora podia ouvir os passos apressados de ambos os inimigos. Sentiu que ali provavelmente seria o fim de sua jornada nesta vida, uma única entrega mal sucedida que foi o fim de tudo. Não teve tempo de acionar a emergência de seu celular e tudo que via era uma grande parede de vidro translúcida à frente. Os homens finalmente viam a garota correndo. Destravaram suas armas, duas submetralhadoras e apontaram em direção a ela. A distância não era muito problema para aquelas automáticas. A garota ouviu os cliques das armas sendo destravadas, provavelmente o último som que ouviria em sua vida. No fim do corredor havia apenas a parede de vidro e nas reentrâncias laterais no fim do corredor algumas poltronas e estantes com livros. Nada que pudesse ajudá-la. Ou salvá-la. Foi quando ela ouviu os primeiros tiros serem disparadas, uma tormenta de rajadas em sua direção. No impulso, ela se jogou para a lateral direita, onde havia umas poltronas. Na hora que se jogou, sentiu um dos disparos passar bem próximo de sua orelha esquerda, arrancando vários fios de cabelos em sua trajetória. Caiu no chão conforme a grande parede de vidro se estilhaçava em milhares de pedaços

— Seu inúteis, erraram todos os tiros! Dá essa bosta aqui — o homem de terno preto estava demasiadamente emputecido. Ele pegou a submetralhadora e começou a andar pelo corredor em direção a reentrância. A garota pôde escutar os passos do homem se aproximando, o medo estava a abraçando. Neste momento, ela percebeu que a grande parede de vidro havia desaparecido e à sua frente estava o céu acinzentado e frio do inverno, um muro bem alto e abaixo um gramado, uns 3 metros abaixo. Lembrou dos treinamentos que tinha feito, e aquela era sua última chance de sair viva. Guardou sua arma de volta no bolso da blusa, respirou fundo e fora da vista do homem, na reentrância, se arrastou até a borda do andar. Os pedaços de vidro rasgando sua pele era o de menos para sua sobrevivência, então, se segurou na borda do andar. Flexionou levemente os joelhos, juntou as duas pernas, e teve a coragem de soltar suas mãos. O homem de terno viu as mãos da garota desaparecendo da extremidade do piso e ainda tentou atirar em direção a ela. Seus disparos foram a esmo, atingindo o matagal que jazia atrás do muro. Durante a queda, a entregadora se preparou para pousar e rolar, tentando minimizar o impacto. Sentiu seus pés impactarem a terra, jogou seu corpo na diagonal e começou a rolar várias vezes, até finalmente parar com as costas em um pilar de concreto. Um pouco atordoada, mas sem tempo a perder, tinha que achar um jeito de sair daquele lugar. O homem de terno ainda correu em direção à janela quebrada, mas a garota tinha sumido de vista.

A entregadora se levantou, um pouco mancando. Olhou ao redor e não achou nenhum dos seguranças mais, porque todos eles ao final haviam subido para o segundo andar após ouvirem os disparos de metralhadora. Dentro do seu campo de visão estava o portão metálico da mansão. Precisando chegar ao carro logo, apertou um botão da chave do veículo, para abrir as portas. Mas o que os seus inimigos não sabiam é que a chave de seu carro tinha sido especialmente construída pelos seus chefes para ela, aproveitando uma fraqueza no método de rolling code de segurança de portões: tanto o controle quanto o portão mantém uma sequência de códigos que serão utilizados. Toda vez que o controle é acionado, ele envia um código para o receptor, que compara com a lista de códigos. Uma vez que o código é usado, ele é descartado. Quando seus inimigos abriram o portão para ela entrar, a chave automaticamente enviou um sinal de jamming de volta, criando ruído e impedindo que a eletrônica do portão recebesse o código enviado pelo controle do inimigo. O código foi então recebido pela sua chave, que armazenou em sua memória. Com o sinal de jamming sendo ainda enviado, o inimigo tentou abrir de novo, enviando um segundo código. Assim que a chave armazenou este segundo código, esperou até que o inimigo parasse de apertar o botão, cessou o jamming e enviou para o portão o primeiro código, que ainda não tinha sido lido pelo receptor. Seu cliente, pensando que era só um problema no portão, não percebeu que ali estava em ação um método futuro de fuga. Com este segundo código, que ainda não foi usado — logo, não foi descartado — só bastava ela apertar cinco vezes o botão de abrir as portas do carro.

— Desta altura ela não pode ter escapado — o homem de terno preto estava confiante que iria capturar a refém. Mais cinco seguranças estavam no segundo andar, com dois deles atendendo o colega ferido.

O homem de terno cinza então disse:

— Vamos lá embaixo dar um fim nisso.

Os cinco desciam as escadas com calma, rindo da situação. Para eles a garota estava capturada, pois ela, com aquela altura daquela altura, estaria muito ferida com a queda. Quando tinham acabado de chegar ao saguão do térreo, viram o portão aberto e a menina correndo em direção ao carro.

— Puta que pariu! — alguém exclamou. — Pro carro, agora!

A garota deu a volta no carro para entra do lado do motorista. Quando os seguranças perceberam isso, começaram a atirar em direção ao carro. Felizmente, o carro da entregadora era blindado, um requisito para quem trabalha no ramo.

— Merda, é blindado esta porra! Pro carro! Vamos, porra!

Desistindo de continuar atirando no veículo da garota, correram em direção a Mitsubishi Pajero que estava na garagem. A entregadora estava com o coração palpitando, o suor frio escorrendo debaixo de seu gorro de gato, as pernas tremendo. Era a primeira vez — de várias — que passava por situação parecida. Seu carro estava pipocado de tiros, que se não fosse graças a blindagem, a atingiriam. Mas não podia desistir. Se enfiou no banco do motorista, colocou o cinto — pois o passeio ia ser com emoção — enquanto observava os homens fortemente armados entrando no carro deles. Deu partida e pisou fundo, levantando uma nuvem de poeira e cascalho para trás. Logo, em seu retrovisor surgiu um carro preto. Tentando dirigir rápido, com uma das mãos procurou pelo botão de pânico no painel, apertando-o. O botão fazia com que a posição do carro e o áudio do microfone do sistema de som fosse enviado em tempo real para a base, sua única esperança naquela situação. Em algum lugar do mundo, uma tela de alerta com alarme aural estava sendo tocado em um computador. Enquanto esperava por alguma resposta, ficava sempre de olho no retrovisor.

— Mais rápido, porra! — o de terno preto no assento do passageiro gritava para o motorista.

— Vai quebrar a suspensão! — o motorista respondeu, devido à estrada de terra.

— Foda-se a suspensão.

O motorista resolveu acelerar mais. A garota percebeu que os inimigos se aproximaram e ela tentou acelerar mais ainda. Mas a estrada de terra, cheia de curvas, limitava o quanto que eles podiam correr sem se chocar com uma árvore.

— Atira, nos pneus!

Os dois seguranças que estavam atrás colocaram suas submetralhadoras em direção aos pneus. Começaram a atirar. Embora os pneus e rodas fossem blindados, se fossem persistentes o suficiente iriam conseguir destruí-los. A entregadora, percebendo isso, começou a dirigir em zigue-zague.

— Responde, droga! — ela esbravejava, sem resposta do canal de emergência.

A nuvem de poeira dificultava a visão de seus inimigos. Diversos tiros estavam atingindo o porta-malas e o vidro traseiro, que por enquanto resistiam aos disparos. Uma perseguição perto dos 100 km/h em estrada de terra não podia terminar muito bem, pensou. Foi quando o pneu direito traseiro não aguentou e começou a esfacelar. Ela sentiu que o carro estava perdendo o controle, pois a roda também estava danificada. Tentava fazer as curvas da estrada, com dificuldade.

— Destruímos a roda, vamos pegar essa maldita — um segurança comemorava. Acelera e bate no carro dela.

Eles deram uma boa acelerada para bater na traseira do carro da frente e fazer a garota perder o controle. Mas quando eles estavam próximos do carro, em uma curva à direita, uma lombada na pista fez com que o veículo da entregadora se soltasse do chão, devido a velocidade. Com a roda traseira direita destruída, o carro perdeu o balanço e ela começou a perder controle do veículo. Seu carro começou a girar para à direita e a se arrastar na terra. Com a grande quantidade de poeira levantada, o segurança que dirigia o carro de trás não viu a lombada também e não deu tempo de desviar do veículo girando à frente. A Pajero bateu na lateral traseira da Range Rover, fazendo que o primeiro saísse da estrada à esquerda e o segundo girasse na pista capotando para fora dela à direita. Os airbags laterais do carro da garota se ativaram, o veículo deu quatro voltas em torno de si capotando para fora da estrada até que atingisse lateralmente uma árvore, parando sobre as rodas. A Pajero atravessou um cercado de arame farpado, avançou sobre um cupinzeiro, atingiu a parede de um pequeno morro e girou em torno de si, parando com a frente completamente destruída virada na direção contrária. Dos cinco que estavam ali no carro, o motorista agora estava morto e o homem de terno cinza que estava atrás, sentado no assento do meio, tinha atingido o pára-brisa, destroçando o vidro. Ele também estava morto.

A garota estava atordoada, desorientada. Balançou a cabeça procurando alguma referência no horizonte, e ela mesma não podia dizer se estava viva ou não. A porta do lado do motorista estava encostada na árvore e ela teve que se deslocar para o banco do passageiro para sair do carro. Olhou para a tela no painel, esperando que houvesse alguma resposta da base, sem sucesso. Ainda segura dentro do veículo blindado, procurou pelo seu celular, que tinha sido jogado no assoalho. Achou o aparelho e ativou nele o sistema de rastreamento para base, da mesma forma que existia no carro. Se virou para trás e viu o outro carro arrebentado do outro lado da estrada.

— Atende, logo. Como vocês são inúteis — esbravejou para o celular.

Percebeu que seus inimigos estavam saindo do carro, ainda com armas em mãos. Com os vidros agora um tanto danificados pela colisão, e sabendo que armas mais pesadas logo furariam a blindagem do veículo, concluiu que era melhor sair do carro. Abriu a porta do passageiro e desceu. Mas não sem antes pegar um objeto em um compartimento escondido no porta-luvas, que colocou debaixo de sua blusa.

A tela do celular indicava que uma conexão havia sido estabelecida.

— Onde vocês estavam o tempo todo? — ela gritou para o celular, nervosa. A voz feminina do outro lado disse:

— Se acalme, diga o que está acontecendo.

— Como vou me acalmar. Eles querem me matar.

— Eles quem?

— O cliente. RT46 — ela foi para atrás do carro, ao perceber que os homens a haviam visto.

— Oi? Mas a entrega…

— Vocês deviam estar em alerta!

Neste momento, os três homens que saíram do carro começaram a atirar. As balas atingiam em cheio o Range Rover.

— São tiros, tiros!? Estamos te rastreando.

— Eles estão vindo!

Segurando o celular na orelha com uma das mãos e a arma em outra, ela começou a atirar de volta. Os homens que aproximavam agora corriam em zigue-zague enquanto atiravam de volta.

— Não vai ter jeito, vou ter que usar isso.

Ela puxou o pino do objeto que estava debaixo de sua blusa e lançou com a força que tinha. A granada fez uma trajetória parabólica no ar em direção a seus inimigos.

— Merda, uma granada! — um dos seguranças gritou. A garota tampou os ouvidos, abriu a boca e virou o rosto. Uma explosão enviou ondas de choque pelo ar frio, fazendo os homens perderam o equilíbrio e caírem no chão. Em sua arma havia só mais seis tiros. Ela então se apoiou na lateral do carro enquanto via dois homens se levantarem atordoados. O terceiro tinha ficado no chão: a granada o havia matado. Apontou sua arma e atirou.

— Sumam da minha frente — ela disse enquanto atirou mais três vezes. Com uma mão o recuo da arma atrapalhava a precisão dos disparos. Os três tiros passaram longe dos seus inimigos.

— Vai por trás, dá a volta no carro — o homem de terno preto disse para o último segurança restante. Ambos armados com submetralhadoras, e ela só com mais três disparos. O homem de terno disse à ela:

— Você já era!

E atirou em direção ao carro, enquanto se aproximava dele. O barulho metálico dos projéteis na lataria era insuportável. O homem de terno avança com a arma em mãos sem parar de atirar, enquanto o segurança corria para trás do carro. A entregadora, percebendo que seria cercada, não tinha outra escolha. Deu a volta na árvore para enfrentar o segurança, tentando pegá-lo de surpresa.

— Entregadora, responda, você ainda está aí? — a garota não tinha tirado o celular da orelha. Falou então bem ao à interlocutora…

— Sim, mas agora eu vou matá-los… — de trás da árvore, jogou seu celular em direção ao segurança. Ele, no reflexo, apertou o gatilho e começou a atirar no aparelho, enquanto ele viajava pelo ar.

— Minha última chance — pensou.

Antes de ele tomar consciência da besteira que estava fazendo, a garota se agachou do lado da árvore e atirou três vezes. Um dos tirou atingiu exatamente o meio da testa do segurança, que agora despencava com o próprio peso. Correu em direção a ele, enquanto sua arma caía livre no chão. O homem de terno preto percebeu os disparos e viu que seu comparsa estava morto.

— Filha da mãe! — exclamou. — Mas agora eu te pego… — falou consigo mesmo, correu em direção ao carro amassado, pulou em cima do capô branco enquanto começava a atirar em direção a onde estava o corpo de seu comparsa. A nuvem de poeira subiu, mas a garota não estava mais naquele local. Foi neste momento que ele percebeu que tinha caído em uma armadilha: ela tinha pegado a arma do homem e se escondido na parte traseira do veículo, onde a visão era dificultada e sua baixa estatura a ajudava. Deu a volta por trás do homem de terno, que estava em cima do capô.

— Não mexa. Ou eu explodo seus miolos.

Ela agora apontava a submetralhadora automática para o seu agora ex-cliente.

— Jogue a arma no chão.

— Estou impressionado como uma garota com máscara de gato pôde chegar — desdenhou.

— Eu disse, jogue a arma no chão.

— Ok. Eu não consigo te ver, acho que você ganhou.

Seu coração estava palpitando freneticamente. Embora um pouco nervoso, ela agora tinha o controle da situação. O homem então começou a abaixar o corpo para colocar a arma em cima do capô. Ela estranhou o movimento, pois ele poderia muito bem ter jogado a arma em qualquer lugar. Quando ele estava com as pernas bem flexionadas, ele girou rapidamente com o dedo no gatilho, atirando em um círculo. A garota, já antevendo uma provável retaliação, se jogou no chão enquanto atirava no seu inimigo. Daquela distância, ela não tinha como errar. Os tiros da arma dele cessaram, seu corpo desabou em cima do capô, colorindo a pintura branca do veículo.

— Acabou…

Foi em direção ao porta-malas e tentou abrir, com muito esforço, o compartimento. Num fundo falso debaixo do assoalho — o carro tinha vários compartimentos secretos — estava um tubo cilíndrico do tamanho de uma garrafa de refrigerante e um isqueiro. Abriu o tubo, caminhou em direção à porta do passageiro, pegou os documentos do veículo e jogou a gasolina pelos bancos de couro. Era um carro muito bom para ser destruído daquele jeito, mas suas digitais e provas tinham que sumir de algum jeito. Andou mais um pouco e encontrou seu celular no chão, recheado de marcas de balas.

— Bem, você já estava velho mesmo.

O carro agora queimaria por um bom tempo, levando junto o corpo em cima do capô.

— Acho que terei que caminhar por um bom tempo — disse consigo mesma, tirando seu gorro de gato, pois estava com muito calor, apesar do inverno. Apesar de cansada, com o coração acelerado e bem assustada, estava satisfeita porque no fim a entrega parecia ter sido um sucesso.



23/12/2016